“A infância é um modo particular, e não universal de pensar de ser criança.” (COHN,2005)
Nasci em 16 de dezembro de 1999, em Ituberá-BA. Sou a 4° filha, a segunda menina, a caçula. Quando nasci minha mãe tinha 27 anos (Neusa) e meu pai 54 (Carlos) e moravam juntos a 9 anos, meus outros irmãos o primeiro Carlos Henrique, tinha 8 anos, Leonardo 7 e Carla 5.
Não foi uma gravidez planejada, meu pai não queria outro filho. Nossa casa era dos meus avós paternos, simples, feita de barro. Quando nasci meus pais estavam ampliando a casa, é tanto que, hoje, chamamos de casa velha a de barro e a nova a de blocos; neste caso a casa é formado por 11 cômodos e 4 quartos, é uma casa grande, com uma área ainda maior, como se fosse um sítio. Éramos bem simples, nunca faltou comida nem nada, mas vivíamos com o necessário. Minha mãe cozinheira e meu pai fotógrafo.
Meus pais se separaram quando tinha três anos, mas, por questões financeiras permaneceram juntos na mesma casa sem manter relacionamento. Nas minhas recordações eles sempre foram separados, para ser sincera, não consigo nem imaginar como deveria ser meus pais como um casal, eu lembro pouco do tempo em que vivíamos juntos.
Por minha mãe ter vindo da roça, ter saído de casa com 12 anos para cidade para trabalhar e nos sustentar, ela sempre deu ao máximo para que não nos faltasse nada. Minha avó batia muito, quando minha era pequena, e, por ela ser a mais velha tinha que cuidar dos irmãos e da casa. Por causa disso, ela sofria muito sempre que ela nos batia; Ela falava que doía mais nela que em nós. Já meu pai, ele também apanhava muito quando pequeno e na visão dele filho foi feito para servir os pais, ele falava que assim havia sido criado e criaria seus filhos assim.
Por ambos ser do interior, e por sermos do interior, foi nos ensinado que pai e mãe são sagrados. Assim, deveríamos pedir benção, se referir apenas como senhor e senhora, não aumentar a voz, e sempre obedecer. Respeitar os mais velhos, não poder dormir até tarde, não interromper quando alguém está conversando etc. Não éramos tão religiosos, minha mãe sempre foi um pouco mais, sempre íamos nas missas, festividades da igreja, eu e meus irmão frequentávamos a catequese e seguíamos grande parte da tradição católica.
Eu tenho alguns lapsos de memória anterior aos meus 5 anos que é o período que vivemos juntos. Meu pai era muito rígido, ele batia muito nos meus irmãos, eram realmente surras; eu não lembro dele ter me batido alguma vez, mas quando ele exagerava minha mãe intervia protegendo meus irmão. Minha mãe também batia, mas era mais palpatória que surras; também ficávamos de joelho no milho e das punições que recebia da minha mãe me recordo bem. Apesar disso, minha mãe sempre foi muito carinhosa, ela sempre fazia de tudo para nós proporcionar o melhor. Meu pai também sempre foi carinhoso comigo, ele sempre cantava “O casamento de Rosa” para mim, e sempre que eu falava que não queria comer mais ele me dava comida na boca.
Meu pai e minha mãe trabalhavam fora, então quando meus irmãos não estavam na escola ajudavam a cuidar de mim, sou oito anos mais nova em relação ao meu irmão mais velho, sete do irmão seguinte e cinco da minha irmã. Minha mãe era cozinheira em um restaurante. Ela trabalhava das 5 ás 14 horas, meu pai era fotógrafo, trabalhava em eventos, aniversários, festas, batizados e etc.
Quando fiz oito meses minha mãe voltou a trabalhar. Aos dois anos ela me colocou em uma creche, mas só permaneci por um ano já que não consegui me adaptar, chorava demais. Com 4 anos fui para escolinha, ainda chorava bastante, mas agora só nas primeiras semanas, minha mãe me contou que para me convencer a ir para escola era necessário barganhar comigo.
Neste período me recordo de brincar de comidinha, como onde morava havia inúmeras plantas árvores, sai arrancando e pegava vasilhas e fingia que cozinhava como minha mãe. Também brincava muito de desfile com meus irmãos, pegávamos a roupa dos nossos pais e vestíamos.
Aos domingos, sempre recebíamos visita, dos meus tios e primos. Aos domingos era tradição macarronada e frango assado, lembro que costumávamos no reunir em frente a tv para assistir F1 enquanto os nossos pais conversavam e depois era o dia todo de brincadeiras.
Aos cinco anos, vou morar com minha mãe e minha irmã, no litoral de São Paulo. Como já havia dito, meus pais estavam separados, a casa em que morávamos era construída no terreno dos meus avós paternos (já falecidos). Por isso, meu pai se negou a sair de casa e minha mãe não tendo condições de morar em outro lugar conosco, permaneceu. Em 2005, ela vai receber uma proposta de trabalho em Praia Grande (Baixada Santista/Litoral de SP). Não consigo me recordar muito bem de como era o relacionamento de ambos (meu pai e minha mãe) no período em que morávamos juntos, mas não tenho nenhuma memória de brigas, pelo contrário lembro-me de almoços em família felizes, mas sei por minha mãe e meus irmão que o clima não era dos melhores. Neste caso minha mãe precisava se mudar e para isso necessitava de um trabalho melhor, então ela resolveu aceitar a proposta e levou eu e minha irmã, deixando meus dois irmãos mais velhos, com meu pai.
No final de 2007 retornamos a Bahia. Neste período que fiquei em SP, foi um pouco esquisito ficar sem meus irmão e pai. Morava em um prédio, recém construído, era um prédio para temporada então quase não tinha moradores, mas nas férias ficava lotado e tinha muitas crianças, neste período ganhava muito brinquedo coisas dos moradores. Minha mãe trabalhava no prédio, junto com um colega de trabalho que ela tinha na Bahia ( vou nomeá-lo com E.), este homem ficou sendo o zelador e para tal vaga,, necessitava de uma mulher, minha mãe cozinhava para os moradores e limpava os apartamentos. Foi bem divertido esse período de forma geral, mas sentia muita falta do meu pai e irmãos.
Depois de retornar para Bahia, era como antigamente, muito feliz e divertido e agora ainda mais pois tínhamos uma condição melhor (meus pais continuavam separados, mas morando juntos) tínhamos um vídeo game no qual jogávamos bastante. No início de 2009, minha mãe voltou para Praia Grande e desta vez todos os filhos ficaram com meu pai.
Este período foi muito difícil já que era muito apegada a minha mãe, a noite sempre chorava e tínhamos que nos falar muitas vezes na semana, minha irmã dormia comigo para me sentir menos só, foi por essa época que começamos a ficar mais próximas. Meu pai era muito bom para nós, ele ainda batia nos meus irmãos, mas agora não surras eram só tapas, que normalmente era no rosto. Ele nunca me bateu, acho que por ser a mais nova, mas fora isso ele era muito bom para nós. Eu tinha receio de pedir algumas coisas para ele, então mesmo minha mãe longe pedia a ela e mandava dinheiro ou falava com meu pai.
No final de 2009 minha mãe volta, um pouco antes do meu aniversário. Meu irmão do meio, Leo começa a estudar em Valença, então ele só vinha para casa nos finais de semana ou férias. Alguns dias depois do meu aniversário, ainda em 2009 retomamos a Praia Grande (minha mãe e minha irmã), onde permaneci até 2018.
No prédio, quando tinha crianças para brincar, jogávamos futebol, pingpong, uno, pega-pega, esconde-esconde, desenhar, colorir, fingíamos que éramos super heróis, legos, e como morava em frente a praia costumávamos brincar bastante na areia, mar. É por meio da brincadeira, que a criança irá reproduzir o discurso externo e o internaliza, construindo seu próprio pensamento. A linguagem, segundo Vygotsky (1984), tem importante papel no desenvolvimento cognitivo da criança à medida que sistematiza suas experiências e ainda colabora na organização dos processos em andamento.
Continuamos morando no prédio até 2013, neste período minha mãe ficou gravida do E. em 2010). E nos mudamos de bairro
Eu sempre tive o desejo e o sonho que pudéssemos viver todos em família novamente, mas meus pais ficaram um bom tempo sem se falar. Eu nas minha férias ia visitar meu pai e meus irmão, mas em 2016, quando meus pais já estavam se tratando cordialmente, meu pai veio a falecer, eliminando a possibilidade de termos uma reunião em família como antigamente;, no final de 2009 foi a última vez que compartilhamos juntos (a família toda) uma refeição.
Quando meu irmão nasceu, sinto que a li foi o final da minha infância, já que tinha que deixar de brincar para ajudar a cuidar dele, foi a chegada de grandes responsabilidades, sendo cobrado uma postura diferente da que tinha antes.
Por ter uma diferença de mais de 10 anos entre nós, e por ter acompanhado seu crescimento de perto, percebo muita diferença entre nossas infâncias e até a visão que minha mãe tem. Minha mãe já não é tão rígida, meu irmão tem bastante poder de decisão, ele tem mais autonomia. Ela utiliza mais de castigos, como não poder ir praia, ficar sem tv ou celular do que físicos. Desta forma, aprendemos muito com ele, e como ele tem a nos ensinar, as crianças não são apenas produzidas pelas culturas mas também produtoras de cultura. Elas elaboram sentidos para o mundo e suas experiências compartilhando plenamente de uma cultura (CONH,2005).
A sociedade está em constante transformação, as vezes nós mudamos a sociedade e outras nos transformamos por ela. A infância é algo muito particular do indivíduo, sendo diferente para cada um dependendo, do contexto histórico, social e cultural.
É comum ouvirmos de gerações anteriores, ou a minha para geração seguinte dizeres como: Essa geração não teve infância, na minha época fazíamos xxx, vocês nunca saberão como era bom etc. Tais pensamentos mostra o quão é enraizado é a percepção de universalidade da infância e, também, de aceitar as mudanças da contemporaneidade.
As crianças na sociedade atual, estão ganhando mais direitos, tendo mais voz e muitas vezes sendo os exemplos contra os velhos preconceitos na sociedade, mas infelizmente muitas se encontram silenciadas e vivendo de forma degradante, sem os mínimos direitos.
A infância é um momento de transformação e formação que deixará marcas para toda uma vida, seja ela passada em contato com a natureza ou assistindo desenhos, jogando vídeo game, neste período deve-se criar memórias felizes e inesquecíveis. Pois, a criança deve aproveitar ao máximo, os prazeres da vida, recebendo sempre muito amor e carinho e nós adultos devemos garantir que assim seja.